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Crítica – Watchmen | Temporada 1

E quem poderia imaginar, que faltando poucas semanas para o final de 2019, ainda teríamos talvez a maior candidata a melhor série do ano? Sim, Watchmen, da HBO, chegou ao fim neste domingo (15/12) e literalmente explodiu cabeças, com um final autoral, enigmático e totalmente pertinente, tanto a proposta estabelecida por Demon Lindelof, criador da série, bem como do trabalho original de Alan Moore e Dave Gibbons, o quadrinho lançado em 86.

Toda a ideia, que por si só poderia parecer absurda, visava revisitar os personagens da história original, mas em uma sequência estabelecida 30 anos após os eventos da Hq. E o “tiro” não poderia dar mais certo. Ainda que Lindelof nem sempre preze por uma fidelidade estética profunda, o complexo discurso e a filosofia presente no trabalho de Moore, aqui, recebe uma enorme e digna referência, atualizando com sucesso as temáticas estabelecidas nos quadrinhos e traçando com maestria um paralelo com os dias atuais.

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Quem já teve qualquer experiência com algum trabalho de Alan Moore, sabe que a politica costuma ser um assunto central e quase sempre polêmico em suas obras, em Watchmen isso não é diferente. Aqui a série consegue explorar essa mesma atmosfera e não poderia ser em melhor hora. Considerando sem medo o cenário politico americano, e por que não também o brasileiro, a série abusa de um retrato sincero e incômodo, levantando reflexões sobre representatividade e poder. Se na obra original, víamos o desenrolar da história através do “prisma” da Guerra do Vietnã, aqui, o que entra em pauta é a questão racial. Não por acaso a série se passa em Tulsa, cidade que sofreu com o maior massacre supremacista da história, também não por acaso, a personagem principal é negra, Angela Abar/Sister Knight (Regina King). A discussão ainda vai além, quando Lindelof, propositalmente altera a etnia de dois outros personagens da obra original, a troca não é gratuita e além de reforçar toda a questão da temporada arruma espaço para “socar do estômago” sociedade quando sugere o pensamento “…Ele escondia sua cor, por que um homem branco de marcara é considerado herói, mas quando é um negro…”.

Mas ainda seria fácil e conveniente “estacionar” no levante de uma pauta social. A obra de Moore vai além, e tem sua identidade forjada quando coloca um ponto final na era dos super-heróis, explorando a construção e principalmente a desconstrução do mito. Quando Watchmen foi lançado, no final dos anos 80, havia uma certa saturação do gênero nos quadrinhos, histórias se repetiam e o arquétipo do “bom moço” já não parecia mais encantar o público. É aí que entra o quadrinho de Alan Moore, uma visão mais cética, realista e um tanto pessimista sobre como seriam essas figuras em um mundo mais real, mais parecido com o nosso. Hoje, após 10 anos de cinema Marvel, talvez ainda não estejamos saturados de heróis, mas vale o retorno dessa visão, um respiro, uma abordagem completamente diferente.

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A série acerta quando retoma e explora o sentido de “vigilantes” e “heróis” dentro de um espectro filosófico. A máscara pode gerar impunidade, o sentimento de justiça pode ser traduzido como raiva, onde nem sempre o certo e o justo caminham lado a lado. “… A máscara, tonar homens cruéis…” diz Ozymandias em certo momento, em uma brilhante atuação de Jeremy Irons, a frase referencia várias passagens da obra original e, de certa forma, explica como o Homem mais Inteligente do Mundo, termina sozinho, ainda que segundo ele mesmo tenha salvado o mundo da extinção certa em uma guerra nuclear. O outro lado da moeda esta na frase “…Nem tudo se cura em baixo da máscara, algumas feridas precisam respirar…”, dita por um antigo membro dos Minutemens. A série leva a discussão muito além de “Quem vigia os vigilantes” e abre de vez o simples fato de que apesar da fantasia, o ser por baixo do capuz, ainda é apenas humano. Incapaz de ser totalmente bom ou totalmente mau.

Ao final de tudo, a série propõe varias reflexões. Watchmen, tanto 0 quadrinho, quanto a série, é uma obra complexa que exige certa atenção aos detalhes e ao famigerado subtexto. Para aqueles que viram a série e não compreenderam a relevância monumental na representação de um Deus negro literalmente desintegrando supremacistas, é por que viu mas não entendeu, leu mas não aprendeu nada. A poesia e o discurso que essa obra apoia é mais do que tudo importante e fundamental, era no final dos anos 80 e ainda é hoje! Vale prestar a atenção com mais cuidado e muito mais carinho.

Em entrevistas recentes, Lindelof disse que ainda não tem certeza se a série terá uma segunda temporada. E cai entre nós, nem precisa. Wacthmen caiu em um momento preciso, quase como uma celebração a obra original, agradando antigos fãs e arrebatando novos leitores.

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